quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007


AS ESCOLHAS DE LUANDINO



Luandino Vieira (escritor angolano, radicado em Portugal)

Num fim de tarde fui à sede da União dos Escritores de Angola (UEA) para o lançamento do mais novo livro de Luandino Vieira, um dos principais e mais emblemáticos escritores daqui. Queria conhecê-lo pessoalmente e obter um autógrafo para “De Rios Velhos e Guerrilheiros”, o primeiro volume da sua trilogia “O Livro dos Rios”.

À entrada do prédio, dois angolanos tocavam marimba, um instrumento musical típico, bastante artesanal e formado por uma série de cabaças, que servem como caixa de ressonância, encimada por teclas metálicas que são percutidas com uma baqueta. A marimba pode ser executada por duas pessoas mas existem as menores, com menos teclas e cabaças, destinadas a um único músico. Essas, porém, são mais utilizadas em cerimônias religiosas e praticas divinatórias.

Tocadores de marimba (Foto JR)

Depois de apreciar a exibição e de me encantar com o som extraído e o canto rouquenho em uma das línguas nativas desse país, subo as escadas do prédio e procuro o escritor. Cheguei bem antes do horário marcado para a solenidade e encontrei-o no jardim, recebendo cumprimentos de velhos amigos e funcionários da UEA, entidade que fundou e foi o primeiro presidente.

Ao apresentar-me, ele sorriu e falou com imenso carinho da "Bahia de Jorge Amado e de João Ubaldo”, afirmando que conhece Salvador e Itaparica. Tiramos algumas fotos e depois fomos para a Biblioteca onde ele iria gravar uma entrevista especial para a Rádio e Televisão Pública de Angola (RTPA).

Assisti a toda a gravação da entrevista. O repórter e o cinegrafista eram brasileiros, a quem já conhecia. Luandino falou da infância, juventude, política, influencias literárias - revelou um notável conhecimento da literatura brasileira, citando mesmo Machado de Assis, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos como influências - e sua participação “modesta” (mas somente em suas palavras) na luta pela Independência de Angola. Falou também dos longos anos de prisão por se engajar na luta pela libertação de Angola, sua obra literária, o livro que está lançando e o futuro de Angola, que ele “doentiamente otimista” acredita estar sendo construído, "apesar do aparente caos”.


Ele sabe do que fala e escreve, porque é um dos intelectuais angolanos que têm papel importante na história do país. Ainda jovem se engajou nos movimentos literários da juventude angolana e participou, em sua “própria trincheira” do processo de lutas pela independência do país. É da vivência com o povo e desse período de prisão política que extrai muitas das referências em sua obra.



Vivia-se naquela década de 50, quando ele ainda adolescente se iniciava nas letras, o surgimento da africanidade, movimento continental de afirmação da nacionalidade e da luta (muitas vezes armada) dos diversos povos africanos pela independência de seus países. A literatura africana surge pela primeira vez para o mundo nesse momento histórico de revoluções nacionalistas. O que até então era passado de geração em geração, somente pela tradição oral da ancestralidade, assumiu formas poéticas, de contos, ensaios, novelas, romances e pesquisas historiográficas. Em prosa e verso, a Àfrica foi se tornando também independente. A sua gente passou a ser vista pelo olhar do seu povo, em suas línguas nativas, com sua arte, costumes e crenças. A transmissão da sua história, os mitos, provérbios, enigmas, contos e criações da sua cultura passaram enfim a simbolizar a própria identidade africana. Atualmente a literatura africana está em franca ascensão e muitos acreditam que ela venha a ser o próximo boom mundial das letras, como já o foi a latino-americana.

Também em Angola naquela época a busca da identidade nacional era realizada basicamente através da poesia, mas sem excluir outras formas de expressão literária, todas a serviço também da mesma causa. E muitos jovens que possuíam veleidades literárias puseram sua pena a serviço da libertação do país. O próprio Agostinho Neto já era dos expoentes da poesia africana quando entrou para a guerrilha contra a dominação colonial e veio a ser o primeiro presidente de Angola.



Essa geração anterior à de Luandino criou o movimento “Vamos Descobrir Angola” e foi responsável pela inserção da realidade da colônia nas suas diferentes manifestações culturais, notadamente a literatura, que necessariamente era engajada no movimento emancipacionista.

Luandino Vieira foi preso pela primeira vez aos 24 anos. A polícia política de Portugal o acusava de ligações com o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) de Agostinho Neto. Dois anos depois, novamente a temida PIDE, o braço armado que garantia a ditadura fascista de Salazar, o prendeu. Dessa vez, ele foi condenado a 14 anos de prisão e percorreu diversas prisões, como o campo de concentração de Tarrafal, situado em Cabo Verde. Na cadeia escreveu os originais de LUUANDA, neologismo criado para expressar o seu amor pela cidade. Ao alterar o nome da capital da colônia ele mudou também o enfoque pelo qual a cidade era vista. O olhar não era mais o da dominação portuguesa, mas do próprio angolano. A população excluída de Luanda sai dos musseques, ganha as páginas em personagens com vida e voz, conflitos e esperanças…

Esse livro de contos foi impresso em Portugal em 1964 e trazido para Angola, onde circulou com Luandino ainda preso. Nele está retratado a simbiose linguística da capital Luanda, onde o português, língua oficial, convive com o kimbundu e outras línguas nacionais. À época LUUANDA foi escolhido por unanimidade para receber o Prêmio da Sociedade Portuguesa de Escritores. O que originou mais persequição política. A obra foi proibida, a entidade foi fechada pela ditadura e alguns membros do júri foram presos. E aconteceu também uma coisa insólita. Dois policiais da PIDE viram ali a oportunidade de um bom negócio e mandaram fazer uma edição clandestina do livro proibido, como se fosse uma edição “brasileira”, editada em Belo Horizonte (na verdade impressa numa tipografia da cidade de Braga). Ganharam muito dinheiro à custa de Luandino, que continuava preso.


As três histórias desse livro são habilmente elaboradas de forma a mostrar uma espécie de contraponto à realidade da colonização, revelando o quanto as diferenças culturais de Angola contrariavam o mito da unidade, presente no discurso da ditadura colonial. A diversidade com que a cidade se apresenta livro revela a verdadeira face de Luanda. E a obra, a criação literária em si, serviu também para justificar a independência, que muitos angolanos já buscavam com armas nas mãos desde 1961.

Em 1972, Luandino foi posto em liberdade vigiada, mas confinado em Lisboa, proibido de voltar a Angola. Mesmo sob a vigilância severa dos esbirros da ditadura, ele obteve mais espaço para exercitar o jornalismo e a literatura. Nele, a militância e a literatura caminharam juntas por circunstâncias históricas, mas seu engajamento não prejudicou a qualidade de suas criações literárias. Em contos e novelas, ele retrata contradições sociolingüísticas, conflitos, o panorama de gerações, etnias e ideologias. O universo angolano em eterna construção é sua praia.

Luandino pôs sua pena a serviço dos que não tinham voz, dos miseráveis abrigados nos musseques (as favelas ou invasões, aqui) e, portanto, vítimas da discriminação, opressão econômica e também repressão política. A sua linguagem contribuiu para a integração cultural e lingüística de Angola. Ouvi dele: "meus livros têm por função ajudar a reconstruir a cultura de um povo que, por muito tempo, foi desenraizada e fragmentada." Por isso ele é considerado uma das expressões maiores da literatura africana contemporânea. Em Angola existem além dele Arnaldo Santos, Pepetela, José Eduardo Agualusa, e muitos outros. Mais recentemente, o jovem autor Ondjak vem conquistando amplo destaque na mídia, inclusive brasileira, como o primeiro romancista da geração pós-guerra civil, com “Bom Dia Camaradas”. Ele esteve recentemente na última Feira Literária de Parati (FLIP) aí no Rio de Janeiro, realizada em agosto justamente na semana em que viajei para Angola.


Luandino nasceu em Portugal, em 1935. Veio para Angola aos três anos na companhia de seus pais, colonos portugueses. Aqui viveu intensamente, não só a infância e adolescência mas principalmente forjou sua identidade política e literária. Após a independência recebeu a nacionalidade angolana, dirigiu a Rádio e Televisão Pública de Angola (RTPA), o órgão estatal de cinema e foi um dos fundadores da União dos Escritores de Angola. Desde 1992 optou por um estilo de vida simples, recluso em um Convento no norte de Portugal. Tão desapegado aos bens materiais que em maio deste ano surpreendeu muita gente ao rejeitar “por razões pessoais, íntimas” o Prêmio Camões, a maior comenda literária da língua portuguesa, dada pelo conjunto de sua obra. Valor do prêmio: 100 mil euros (algo em torno de 273 mil reais) !. Assim é José Vieira Marques da Graça (nome de batismo). Ele faz suas próprias escolhas. O cidadão optou por lutar pela independência da pátria que aprendeu a amar, mesmo ao custo de sua própria liberdade. O escritor optou por resgatar a identidade cultural de um povo, em estórias e romances cuja linguagem ele extrai da vivência social, da cultura popular e da relação entre o homem e a Natureza. E escolheu um pseudônimo literário que bem define e explica o amor pela terra e gente angolanas: LUANDINO.



"Ao Jorge Ramos. Irmão da Bahia, com um abraço de Luandino Vieira"


Perguntei-lhe se o “Vieira” era homenagem ao Padre Antônio Vieira, o “Imperador da Língua Portuguesa” no dizer de Fernando Pessoa. Ele respondeu afirmando que, às vezes, brinca dizendo que descende sim do Padre Antônio Vieira ("quem dera, quem dera ...!") mas que na verdade o Viera é uma referência ao avô que num dia longínquo, há quase cem anos, lá numa aldeia em Portugal, saiu para comprar fósforos e nunca voltou, abandonando mulher e filhos. Eles só voltaram a ter notícias do velho quando ele morreu, sessenta anos depois, em San Francisco, na Califórnia. ”Acho que é por isso que sou assim” e riu, ao tempo em que me assinava o autógrafo.
Luanda, 20 fevereiro 2007
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Pequeno Vocabulário (improvisado) de expressões e termos angolanos
(lembrando que a influência do "português" falado em Portugal é muito intensa aqui)
Yá : Sim.
Tá fixe (pronuncia-se "fiche"): Está certo; OK.
As duas expressão podem ser usadas juntas ou separadas. Como no diálogo:
- Vá lá em casa domingo almoçar.
- Yá. Tá Fixe

Falar em refeição, tal qual sucede em Portugal o "café da manhã" recebe aqui dois nomes, ambos curiosos:

1) Pequeno almoço;

2) Matabichar (sim, de "matar o bicho", da fome creio). No primeiro sábado em Luanda, a empregada queria "tirar a mesa" e surpreendeu-me, perguntando se todos da casa já tínhamos "matabichado"...





























































terça-feira, 13 de fevereiro de 2007



Em África (II)
(Na companhia de Tim Maia e de Tarzan)


Miradouro da Lua

Após a visita ao encantador Miradouro da Lua (ao pôr do sol a paisagem chega a ser divina e dizem que nas noites enluaradas então... !) fomos em direção à praia de Cabo Ledo (ver crônica anterior), já na província do Bengo. A rodovia é razoavelmente bem conservada e em alguns trechos existem ainda sucatas de tanques militares, utilizados nas duas guerras que o país enfrentou em 45 anos. Primeiro, a de libertação contra o colonialismo português (terminou em 1975, com a independência) e, em seguida, a guerra civil que estraçalhou o país recém-instalado e que só terminou em 2002. Deixou Angola em frangalhos, com profundas e graves feridas, das quais o país ainda tenta se recompor a duras penas, obviamente.

Após um praça de pedágio - afinal estávamos numa das rodovias melhor conservadas de um país que teve toda a malha de transporte do país danificada pelos conflitos; o Brasil sem conflitos (aparentes) e muito mais riquezas possui estradas péssimas ! - passamos por uma ponte metálica sobre uma área de manguezal do Kwanza, o maior rio do país e que dá nome à moeda de Angola. Embaixo, alguns pescadores em suas canoas margeavam a vegetação verdejante do rio compondo assim uma bucólica paisagem. Dos trechos mais altos da estrada vê-se, vez em quando, a imponência do Atlântico se espraiando nas partes baixas da costa. À esquerda, savanas, muitas savanas !. Estávamos nas imediações de uma das maiores unidades de conservação de Angola, o Parque Nacional do Quissama, com quase 10 mil quilômetros quadrados de extensão. Prometemo-nos programar uma visita, passar um fim de semana inteiro num dos bangalôs para aluguel, onde poderemos dormir e sair antes do nascer do sol, que é o melhor horário para um safari (sem direito à caça, claro)

Pretendemos ver, o mais de perto possível, alguns exemplares da rica fauna africana. Até abril, quando termina a estação chuvosa, teremos de ir lá.
Nessa época as margens dos rios ficam repletas de aves aquáticas como flamingos, garças, patos e pelicanos. No parque podem ser encontrados , ainda em estado selvagem, elefantes, girafas, zebras, gnus, avestruzes e diversas espécies de antílopes, como a palanca-vermelha e o manatim, além de tartarugas-marinhas. Se bem que, muitos parques angolanos foram tendo ao longo dos anos diversas espécies dizimadas pela "caça furtiva". A matança se intensificou durante a guerra, quando várias esp´´ecies eram abatidos para alimentação das tropas, de um e do outro lado. O Parque do Quissama mesmo foi um dos que teve parte de sua fauna repovoada. Nelson Mandela, quando governante da África do Sul, doou espécimes de girafas e elefantes, entre outros animais, para Angola.

Mas o destino daquele passeio ainda não era o Parque do Quissama e sim a Praia de Sangano, pouco antes de Cabo Ledo. De longe, já tínhamos uma idéia do sítio que nos aguadava ...

Praia de Sangano ( Foto JR)

O local tem uma infra-estrutrura mínima, mas necessária (bar/restaurante), e alguns “chapéus”, na verdade sombreiros gigantes cobertos de palha de sapê, onde podem se acomodar até dez pessoas e cujo aluguel vem cobrado na conta. Ao chegarmos, todos os “chapéus” estavam ocupados e ao indagarmos sobre como conseguir um, o rapaz do bar indagou: "E vocês não trouxeram sombra ?" (referindo-se a sombreiros pessoais).




Foto: JR

Sem chapéu disponível e sem termos "trazido sombra", tivemos que nos contentar com a que oferecia uma árvore e ali armamos nossa tenda. Jean Kota subiu e registrou a “intrépida trupe” com as armas em riste, que seriam usadas para aplacar a sede que viria pela frente naquele domingo de verão africano..




Sangano é uma praia aprazível, limpa, bonita e muito agradável. Contemplar sua bela paisagem
natural, com a pouca interferencia do homem, põe-nos enlevados, em sossego e clima de elevação mental.

















Fotos: JR


Após algumas horas ao sol, mergulhos ocasionais, um bate-bola, alguma conversa jogada fora e muita cerveja jogada dentro … chegou a hora do almoço !. No restaurante de ambiente rústico, aguardamos uma tempãâão pela tão decantada panulirus regius, a lagosta real angolana.

Foto: JR

O serviço é muito lento, bem ao jeito angolano de ser, e lembrou-me de um certo lugar, porque a cada reclamação diziam "... é que o outro rapaz da cozinha não veio..."). Onde é que já ouvi esse papo de "a culpa é do rapaz... " ? Terá sido na Bahia ? (cartas para a Redação...). Mas enfim fomos compensados pela qualidade da lagosta à termidor .

Já era fim de tarde e nos preparávamos para pegar a estrada. O dia tinha sido feliz e bonito. E isso era evidente; meu semblante estampava ...



Parecia até uma ingratidão para com a Natureza, deixar Sangano justamente nessa hora !


Foto: JR

Mas enfim, de volta para casa ainda pudemos nos deliciar com paisagens como ...




o sol se escondendo e o imbondeiro homenageando-o com seu talhe majestático


Um pôr de sol (tenho a certeza de que na África ele é mais bonito…), um imbondeiro, uma savana. No som do carro a voz rouca e suingada de Tim Maia exaltava as delícias de “Um dia de Domingo”, como aquele :

eu preciso descobrir

a emoção de estar contigo

ver o sol amanhecer

e ver a vida acontecer

como um dia de domingo !

Faz de conta que ainda é cedo

tudo vai ficar por conta da emoção

Faz de conta que ainda é cedo e

deixar falar a voz a voz do coração


Lembrei-me de outros domingos igualmente felizes, como os das matinês de minha infância e adolescência, no inesquecível Cine Glória em Cachoeira. Em alguns domingos a "África" estava também presente, nos filmes de Tarzan (com Johnny Weissmuller). A molecada fazíamos um tremendo barulho cada vez que ele aparecia na tela, lutando com leões, em cima de elefantes, viajando de cipó floresta adentro, derrubando bandidos ou, principalmente, quando levava Jane no colo para dentro da cabana, armada em cima de uma árvore (talvez um imbondeiro, espécie de árvore de frondosa copa, quem sabe ...). Quem nunca vibrou com as aventuras dele, Jane (Maureen Sullivan), Boy e a indefectível macaca Chita, nas savanas e florestas africanas ?


Família Feliz !


Pois é, Tarzan (Weissmuller) coitado morreu num abrigo de idosos, demente (os meus super-heróis prediletos não tiveram destinos felizes: o Super-Homem caiu do cavalo e morreu tetraplégico ! Nietzsche, cadê você ... ? ). De madrugada no abrigo os outros velhinhos acordavam assustados quando ele fazia ecoar no silêncio do dormitório o grito de Tarzan. Claro que era apenas uma pálida lembrança do que fora mas, ainda que senil, a voz inconscientemente revivida incomodava a quem, no passado, certamente tinha gostado.

Pior foi Chita... o exemplar era macho mas entrou para a história do cinema como fêmea ! Coisas de Hollywood... Dizem até que certo dia, Jane não estava e Tarzan (a perigo !) olhou prum lado e pro outro, pegou Chita nos braços e a levou para a cabana. Em plena operação, descobriu que Chita era macho... ficou putíssimo da vida, xingando e quebrando tudo que encontrava pela frente ... daí teria surgido a expressão (dita pelos outros animais da floresta ao ve-lo aploplético e desvairado):
"Ele hoje está com a macaca !!!"

Brincadeiras à parte, eis a diferença entre a África de minha infância - aquela imageticamente criada, com cenários em estúdio imitando as selvas africanas - e essa parte dela em que piso (Angola é conhecida como "O Coração da África") hoje ! A realidade é muito diferente !.

Simbolicamente contraponho o estar "na" África de minhas matinês com o estar "em" África, que é como se diz aqui. Não é semântica, apenas. Aqui travo contato com outra realidade, nada edulcorada, como aquela que povoava as tardes de domingo. Ela é bem menos fantasiosa e suas belezas naturais e humanas são ofuscadas pelo destino que os "homens", os sempre bandidos, os mesmos dos filmes de Tarzan (atenção James Bond, não são só os diamantes que são eternos; os bandidos também o são !) traçaram para o continente.

Inté.

Um abraço em todos e agradeço as mensagens recebidas. .

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007



Em África


(De Castro Alves a Hannah Arendt)



Aqui ficam registrados alguns dos momentos vivenciados em Angola. As sensações, aprendizado e, principalmente, a vivência com o povo e o que apreendo desse convívio. Porei sempre o olhar aguçado do repórter sobre o que vejo, para melhor compreender esse país e transmitir aos visitantes desse blog as minhas impressões.


Utilizarei nas narrativas informações sobre sua história, cultura, economia, política, meio ambiente, etc. E enfocarei sempre que possível os reflexos da atividade humana sobre esses aspectos e a influência desses no comportamento social. Confiando neste meu olhar e numa muito genérica e decantada "cultura de almanaque". Mas prometo que procurarei não abusar muito da paciência de vocês.


Recorro sempre à poesia romântica e ao mesmo tempo libertária do maior poeta brasileiro para ter uma dimensão do que foi o maior movimento organizado de deportação da história: a escravidão seguida da diáspora, que determinaram a sorte deste continente. Com seu espírito condoreiro, como que sobrevoando os mares, o poeta baiano avista do alto um navio a conduzir escravos. De sua lira extrai um dos mais candentes poemas da língua portuguêsa.




Eis um trecho :

Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Com a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!


(In Navio Negreiro)


Castro Alves (1847-1871) declamando

Mas quem se detiver à procura de conhecimentos menos poéticos e mais filosóficos, enfim mais complexos, que expliquem o sub-desenvolvimento crônico do continente mais pobre do planeta sugiro que não deixe de pousar os olhos e a mente na obra de Hannah Arendt, filósofa (embora ela preferisse se intitular apenas uma teórica) judia alemã, perseguida pelo nazismo.

Hannah Arendt (1906-1975)



Após cobrir como jornalista o julgamento do carrasco Adolf Eichmann, em Israel (1961), ela analisou todos os demais crimes do nazismo. Achou-o com aparência de um homem normal, que "cumpria ordens", embora tivessse cometido atrocidades, e apontou para a complexidade da natureza humana alertando para o que chamou de uma certa banalidade do mal, "que surge quando somos condescendentes com o sofrimento, a tortura e a própria prática do mal". Daí conclui que é fundamental guardar uma permanente vigilância para garantir a defesa dos direitos humanos e a preservação da liberdade. Dela, extraio esse aforismo que cabe perfeitamente em qualquer análise sobre a África e, logicamente, outras regiões:


"O sub-desenvolvimento não é apenas uma realidade , mas sim uma ideologia !"

Até porque não sendo um fenômeno, alguém tem culpa pela sua existência. A África é o que fizeram dela, ao longo da história, inclusive suas próprias "elites". A sua partilha entre as potências mundiais, o saque de suas riquezas, a degradação, escravização de sua gente e a colonização "coincidem" justamente com a fase inicial da formação do capitalismo e lhe foram determinantes.


Compartilhem comigo do meu olhar sobre Angola, meus kambas (camaradas, parceiros em kimbundu, uma das línguas nativas). Afinal, para quem está deslocado de seus habituais portos de abrigo, nada melhor do que uma companhia solidária com quem possa dividir as impressões sobre o que o olhar capta em outras terras e outras gentes.
Deixem registradas, por favor, as sugestões, comentários, críticas (principalmente), dúvidas e o que mais lhes convier a respeito desse blog e de Angola. Na medida do possível, responderei a todos.



Jorginho Ramos

09 fevereiro 2007



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Visita ao Miradouro da Lua



No primeiro domingo do ano alguns brasileiros (muitos são baianos) com quem convivo em Angola me convidaram para voltar a Cabo Ledo, a magnífica enseada ao Sul de Luanda, já na Província do Bengo. No caminho demos uma paradinha para apreciar o "Miradouro da Lua". Trata-se de um conjunto de falésias em que a ação dos ventos e das chuvas esculpiu estranhas formas. De fato, o aspecto é semelhante ao de uma paisagem lunar.



É mesmo uma paisagem estupenda!