terça-feira, 3 de abril de 2007

Imbondeiro, a árvore do tempo.





Não há quem não se impressione com a aparência algo lúgubre, algo misteriosa, mas sempre solene e bela dessa grande árvore, um dos símbolos da África. Com sua aparência fossilizada na idade adulta, o imbondeiro além de marcar a paisagem costumeiramente árida, remete a outros significados e por isso mesmo é cercado de aspectos lendários. Numa ida para Cabo Ledo vi centenas deles, espalhados pelas savanas. À luz do entardecer, adquire mais beleza ainda; seu semblante escuro contrastando com o róseo-alaranjado do poente revela a sua majestosa imponência. Mas a árvore da vida não está presente só no imaginário africano.




Quem leu (e quem não o fez?) “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry vai lembrar-se imediatamente dele: é o baobá, motivo de procuipação do misterioso ser. Ele teme que as raízes se entranhem no seu pequeno asteróide. O baobá seria então uma calamidade para aquele misterioso menino - que jamais respondia a uma pergunta e, ao mesmo tempo, também jamais desistia de obter uma resposta. Ele imagina então o trabalho que terá todas as manhãs em colher os brotos para evitar que novos baobás nasçam e se transformem em majestosas árvores, que de tão grandes e largas irão destruir seu pequenino planeta.




Os "baobás" destruiriam o asteróide de O Pequeno Príncipe





Segundo uma das muitas lendas que cercam o imbondeiro, ele pode viver até cerca de seis mil anos. Exagero, mas algumas centenas é crível !. É possível mesmo que os imbondeiros existentes ao lado do Museu da Escravatura em Luanda teriam sido testemunhas do embarque dos escravos angolanos para o Brasil. O museu fica na estrada que liga Luanda à Barra do Rio Kwanza, no Morro da Cruz. A construção colonial é do século XVII. Na capela da Casa Grande os escravos eram "batizados" antes de serem embarcados sob ferros nos navios negreiros que os levariam às colônias. O Museu da Escravatura é um monumento nacional de Angola a lembrar o cativeiro humano, gênese da situação atual de Angola e da África.


Museu da Escravatura em Luanda de onde saíram os escravos angolanos

para a grande diáspora (Foto JR)

Há quem propale que o imbondeiro pode viver milhares de anos mas não há evidências científicas de que seja capaz de chegar a essa provecta idade. Pelo simples fato de que sendo oco o seu tronco, ele não forma anéis, recurso que a ciência utiliza para medir a idade das árvores. Mas, de fato, é considerada a árvore mais longeva do planeta. Certo mesmo é que essa árvore tem uma importância muito grande paraa África, tornando-se um dos ícones de sua paisagem.




Quadro na casa do brasileiro Raimundo Lima, em Luanda

Mesmo em Luanda, que é densamente habitada - quase 2/3 da população do país vive na capital - há imbondeiros espalhados por quintais, ruas, encostas e terrenos baldios. Alguns são centenários e se mantém impávidos, resistindo a toda sorte de intempéries. Até mesmo às ameaças do homem, que ocupam desordenamente o solo, constroem em torno deles bairros, muros e casas, implantam musseques (as favelas de Luanda) e lixões ao seu redor, de que resultam a erosão do solo e deslizamentos de terras. Seu tronco bojudo e galhos geralmente ressecados fazem parte da paisagem urbana, mas sua presença é mais intensa nas zonas mais afastadas.


Ele pode atingir uma altura de vinte metros e seu tronco medir dez de diâmetro. Apresenta, conforme a idade, dois tipos de folhas e foi considerado, no princípio do século passado, em vias de extinção. Quando ainda jovem, o imbondeiro apresenta folhagem diferente daquelas presentes no exemplar adulto. Mas quando velho adquire uma aparência fossilizada, mas está vivíssimo. Embora pouco protegido, o imbondeiro tem para muitos africanos um valor sagrado. Seria uma árvore protegida, ligada a sentimentos religiosos e seu interior abrigaria espíritos. Em algumas regiões da África é considerado um intermediário entre Deus e os homens e são venerados como representação de entidades inumanas. Perante eles são realizadas práticas ritualísticas. Amarram-se fitas, adereços e ex-votos. Sementes de baobá foram levadas para o Brasil por escravos e plantadas para atender a seus rituais. Há imbondeiros, ou baobás, no Rio Grande do Norte, Maranhão, Pernambuco e alguns na Bahia.





Conversando com alguns angolanos, soube que as fendas abertas naturalmente em seu tronco permitem até mesmo que dentro deles caibam mais de uma pessoa adulta. Por isso é que muitos imbondeiros já serviram até de prisão. Carpinteiros hábeis constroem cisternas coletivas para períodos de seca. Muitos são usados também como celeiros. Há registros de que já serviram até mesmo de sepulturas. Mas os imbondeiros situados em locais mais afastados não são local seguro pois podem servir também como abrigo de morcegos, macacos e cobras. De seu interior exala uma forte inhaca e o forte cheiro de almíscar.

Muita gente desenterra as raízes e delas extrai um poderoso corante vermelho, utilizado em olarias, madeiras e tecidos. Das cascas de seu tronco extraem-se fibras grosseiras que servem para fazer cordas e tecidos grosseiros.

A polpa dos frutos, quando seca, dá origem a uma farinha de sabor que dizem ser agradável. Estudos médicos indicaram sua riqueza proteica (em vitaminas C e do complexo B), seu enorme valor nutricional e por isso é muito procurada como remédio. Foi considerada um dos remédios mais eficazes contra a disenteria. O ácido da polpa é utilizado como coagulante da borracha. Consomem-se as sementes depois de torradas. As folhas são usadas em culinária, cozidas em sopas e até saladas.






Em outros países é conhecido como baobá mas em Angola, Moçambique e Madagascar o nome é imbondeiro, ou embondeiro, conforme o lugar, palavra aportuguesada que vem de m’bondo. Consta que os portugueses colonizadores se impressionaram com o porte da árvore e perguntaram aos gentios o nome dela. E adaptaram a resposta ao seu vocabulário. Reza a lenda que um imbondeiro nunca deve ser cortado nem arrancado. Porque é considerada a “árvore da vida da humanidade”. Já foi objeto de estudos e teses científicas, inspirou canções, orações, filmes e obras literárias, em prosa e verso.




O imbondeiro floresce apenas uma vez por ano e as suas belas flores ficam sempre de cabeça para baixo. A princípio, dar uma flor de imbondeiro à pessoa amada pode parecer significar que ela é única e que demorou muito para ser encontrada. Mas não é uma idéia, porque ela exala um cheiro fétido de .... carniça. Isso mesmo. Como a querer significar que, mesmo na Natureza, nem tudo que aparenta ser belo, de fato o é completamente. Ou que nem tudo que é bom deixa de ter o seu lado ruim, e vice-versa.

Uma das lendas africanas sobre o imbondeiro dizem que a árvore, por ter muita inveja das demais espécies, foi punida pelos deuses que a puseram de cabeça para baixo. A copa foi enterrada e as raízes ficaram para cima. Vendo-se a foto de um imbondeiro fossilizado ... faria sentido, se não fosse lenda. E que as sua flores exalam o fedor do interior da terra.


Mas seja fazendo parte da paisagem muitas vezes agreste, seja no imaginário popular, o imbondeiro é elemento ativo da africanidade, sendo considerada por muitos a árvore símbolo do continente.



Luanda, 03 abril 2007