terça-feira, 13 de fevereiro de 2007



Em África (II)
(Na companhia de Tim Maia e de Tarzan)


Miradouro da Lua

Após a visita ao encantador Miradouro da Lua (ao pôr do sol a paisagem chega a ser divina e dizem que nas noites enluaradas então... !) fomos em direção à praia de Cabo Ledo (ver crônica anterior), já na província do Bengo. A rodovia é razoavelmente bem conservada e em alguns trechos existem ainda sucatas de tanques militares, utilizados nas duas guerras que o país enfrentou em 45 anos. Primeiro, a de libertação contra o colonialismo português (terminou em 1975, com a independência) e, em seguida, a guerra civil que estraçalhou o país recém-instalado e que só terminou em 2002. Deixou Angola em frangalhos, com profundas e graves feridas, das quais o país ainda tenta se recompor a duras penas, obviamente.

Após um praça de pedágio - afinal estávamos numa das rodovias melhor conservadas de um país que teve toda a malha de transporte do país danificada pelos conflitos; o Brasil sem conflitos (aparentes) e muito mais riquezas possui estradas péssimas ! - passamos por uma ponte metálica sobre uma área de manguezal do Kwanza, o maior rio do país e que dá nome à moeda de Angola. Embaixo, alguns pescadores em suas canoas margeavam a vegetação verdejante do rio compondo assim uma bucólica paisagem. Dos trechos mais altos da estrada vê-se, vez em quando, a imponência do Atlântico se espraiando nas partes baixas da costa. À esquerda, savanas, muitas savanas !. Estávamos nas imediações de uma das maiores unidades de conservação de Angola, o Parque Nacional do Quissama, com quase 10 mil quilômetros quadrados de extensão. Prometemo-nos programar uma visita, passar um fim de semana inteiro num dos bangalôs para aluguel, onde poderemos dormir e sair antes do nascer do sol, que é o melhor horário para um safari (sem direito à caça, claro)

Pretendemos ver, o mais de perto possível, alguns exemplares da rica fauna africana. Até abril, quando termina a estação chuvosa, teremos de ir lá.
Nessa época as margens dos rios ficam repletas de aves aquáticas como flamingos, garças, patos e pelicanos. No parque podem ser encontrados , ainda em estado selvagem, elefantes, girafas, zebras, gnus, avestruzes e diversas espécies de antílopes, como a palanca-vermelha e o manatim, além de tartarugas-marinhas. Se bem que, muitos parques angolanos foram tendo ao longo dos anos diversas espécies dizimadas pela "caça furtiva". A matança se intensificou durante a guerra, quando várias esp´´ecies eram abatidos para alimentação das tropas, de um e do outro lado. O Parque do Quissama mesmo foi um dos que teve parte de sua fauna repovoada. Nelson Mandela, quando governante da África do Sul, doou espécimes de girafas e elefantes, entre outros animais, para Angola.

Mas o destino daquele passeio ainda não era o Parque do Quissama e sim a Praia de Sangano, pouco antes de Cabo Ledo. De longe, já tínhamos uma idéia do sítio que nos aguadava ...

Praia de Sangano ( Foto JR)

O local tem uma infra-estrutrura mínima, mas necessária (bar/restaurante), e alguns “chapéus”, na verdade sombreiros gigantes cobertos de palha de sapê, onde podem se acomodar até dez pessoas e cujo aluguel vem cobrado na conta. Ao chegarmos, todos os “chapéus” estavam ocupados e ao indagarmos sobre como conseguir um, o rapaz do bar indagou: "E vocês não trouxeram sombra ?" (referindo-se a sombreiros pessoais).




Foto: JR

Sem chapéu disponível e sem termos "trazido sombra", tivemos que nos contentar com a que oferecia uma árvore e ali armamos nossa tenda. Jean Kota subiu e registrou a “intrépida trupe” com as armas em riste, que seriam usadas para aplacar a sede que viria pela frente naquele domingo de verão africano..




Sangano é uma praia aprazível, limpa, bonita e muito agradável. Contemplar sua bela paisagem
natural, com a pouca interferencia do homem, põe-nos enlevados, em sossego e clima de elevação mental.

















Fotos: JR


Após algumas horas ao sol, mergulhos ocasionais, um bate-bola, alguma conversa jogada fora e muita cerveja jogada dentro … chegou a hora do almoço !. No restaurante de ambiente rústico, aguardamos uma tempãâão pela tão decantada panulirus regius, a lagosta real angolana.

Foto: JR

O serviço é muito lento, bem ao jeito angolano de ser, e lembrou-me de um certo lugar, porque a cada reclamação diziam "... é que o outro rapaz da cozinha não veio..."). Onde é que já ouvi esse papo de "a culpa é do rapaz... " ? Terá sido na Bahia ? (cartas para a Redação...). Mas enfim fomos compensados pela qualidade da lagosta à termidor .

Já era fim de tarde e nos preparávamos para pegar a estrada. O dia tinha sido feliz e bonito. E isso era evidente; meu semblante estampava ...



Parecia até uma ingratidão para com a Natureza, deixar Sangano justamente nessa hora !


Foto: JR

Mas enfim, de volta para casa ainda pudemos nos deliciar com paisagens como ...




o sol se escondendo e o imbondeiro homenageando-o com seu talhe majestático


Um pôr de sol (tenho a certeza de que na África ele é mais bonito…), um imbondeiro, uma savana. No som do carro a voz rouca e suingada de Tim Maia exaltava as delícias de “Um dia de Domingo”, como aquele :

eu preciso descobrir

a emoção de estar contigo

ver o sol amanhecer

e ver a vida acontecer

como um dia de domingo !

Faz de conta que ainda é cedo

tudo vai ficar por conta da emoção

Faz de conta que ainda é cedo e

deixar falar a voz a voz do coração


Lembrei-me de outros domingos igualmente felizes, como os das matinês de minha infância e adolescência, no inesquecível Cine Glória em Cachoeira. Em alguns domingos a "África" estava também presente, nos filmes de Tarzan (com Johnny Weissmuller). A molecada fazíamos um tremendo barulho cada vez que ele aparecia na tela, lutando com leões, em cima de elefantes, viajando de cipó floresta adentro, derrubando bandidos ou, principalmente, quando levava Jane no colo para dentro da cabana, armada em cima de uma árvore (talvez um imbondeiro, espécie de árvore de frondosa copa, quem sabe ...). Quem nunca vibrou com as aventuras dele, Jane (Maureen Sullivan), Boy e a indefectível macaca Chita, nas savanas e florestas africanas ?


Família Feliz !


Pois é, Tarzan (Weissmuller) coitado morreu num abrigo de idosos, demente (os meus super-heróis prediletos não tiveram destinos felizes: o Super-Homem caiu do cavalo e morreu tetraplégico ! Nietzsche, cadê você ... ? ). De madrugada no abrigo os outros velhinhos acordavam assustados quando ele fazia ecoar no silêncio do dormitório o grito de Tarzan. Claro que era apenas uma pálida lembrança do que fora mas, ainda que senil, a voz inconscientemente revivida incomodava a quem, no passado, certamente tinha gostado.

Pior foi Chita... o exemplar era macho mas entrou para a história do cinema como fêmea ! Coisas de Hollywood... Dizem até que certo dia, Jane não estava e Tarzan (a perigo !) olhou prum lado e pro outro, pegou Chita nos braços e a levou para a cabana. Em plena operação, descobriu que Chita era macho... ficou putíssimo da vida, xingando e quebrando tudo que encontrava pela frente ... daí teria surgido a expressão (dita pelos outros animais da floresta ao ve-lo aploplético e desvairado):
"Ele hoje está com a macaca !!!"

Brincadeiras à parte, eis a diferença entre a África de minha infância - aquela imageticamente criada, com cenários em estúdio imitando as selvas africanas - e essa parte dela em que piso (Angola é conhecida como "O Coração da África") hoje ! A realidade é muito diferente !.

Simbolicamente contraponho o estar "na" África de minhas matinês com o estar "em" África, que é como se diz aqui. Não é semântica, apenas. Aqui travo contato com outra realidade, nada edulcorada, como aquela que povoava as tardes de domingo. Ela é bem menos fantasiosa e suas belezas naturais e humanas são ofuscadas pelo destino que os "homens", os sempre bandidos, os mesmos dos filmes de Tarzan (atenção James Bond, não são só os diamantes que são eternos; os bandidos também o são !) traçaram para o continente.

Inté.

Um abraço em todos e agradeço as mensagens recebidas. .

Um comentário:

Anônimo disse...

Hahahahahaha :) Fiquei imaginando vc, molequinho em Cachoeira - de suspensório, no cinema, vibrando com as peripécias de Tarzan na África "de mentirinha" em Hollywood! Lembrei também que, quando eu era pequenina e estava com vc admirando o mar, vc falava que se a gente nadasse ali em linha reta, ia parar na África!
Que passeio sensacional... dá uma inveja danada quando a gente lê essas crônicas hehehehehehe
Mil beijos,
Dd.