Esse mesmo Dr. Moto aparece também em outros anúncios prometendo com as mesmas técnicas e ervas curar as seguintes "doenças": "desemprego"; "busca de objetos perdidos"; "canseira e desânimo para a vida"; "trazer de volta o marido roubado por outra"; "menino que estuda, estuda e não aprende" ; "perseguição da chefia no trabalho" etc, etc, etc.
sexta-feira, 30 de março de 2007
Esse mesmo Dr. Moto aparece também em outros anúncios prometendo com as mesmas técnicas e ervas curar as seguintes "doenças": "desemprego"; "busca de objetos perdidos"; "canseira e desânimo para a vida"; "trazer de volta o marido roubado por outra"; "menino que estuda, estuda e não aprende" ; "perseguição da chefia no trabalho" etc, etc, etc.
sexta-feira, 23 de março de 2007
1973. Tinha completado 18 anos e estudava na Escola Técnica Federal da Bahia. Poucas vezes matava aulas, mas quando o fazia eram as de Físico-Química, matéria que abominava. Saía do Barbalho, descia uma ladeira, atravessava um larguinho que existe no topo da Ladeira da Água Brusca, entrava num dos becos em torno, subia outra ladeira estreita. E assim, após alguns minutos andando por becos e ladeiras da velha Bahia, chegava ao Largo de Santo Antônio. Dali avista - se uma das paisagens mais encantadoras da imponente Baía de Todos os Santos. Às vezes da balaustrada contemplava o torvelinho que é Água de Meninos e a Feira de São Joaquim, os barcos e saveiros indo e vindo do Recôncavo ! Estava ao lado do Forte de Santo Antônio, para onde me dirigia. Dali partiram tiros de canhão para defender a Bahia nas duas vezes que Salvador foi atacada pelos holandeses, no século XVII. Na tricentenária fortaleza o seu largo portal era encimado por uma placa de madeira onde o tempo, a maresia e o cupim já tinham feito consideráveis estragos. Mas ainda era possível ler as desbotadas letras azuis da tabuleta:
Ia visitar SARA, presa política da ditadura.
Se os mais velhos da família (compreensivelmente conservadores) consideravam a situação política e jurídica dela plena de dissabores e temores, os mais jovens tínhamos um indisfarçável orgulho, mesmo em meio às angústias que cercavam sua segurança pessoal. Afinal, em Brasília pontificava Médici, o mais tenebroso dos generais-ditadores. Mesmo censurada, a imprensa noticiava sequestros e caças aos “terroristas”, assim considerados todos que resistiam (com ou sem armas), que davam testa e enfrentavam o poder militar.
E Sara era uma espécie de ícone para a geração mais jovem da família. Politizada, engajada, militante, defendia com firmeza e convicção suas ideias, mesmo a contragosto da mãe e tias muito católicas, que torciam seus nervosos dedos em torno de terços, orando para que ela “se aquietasse” como ouvi de Mainha uma vez, ajoelhada em frente ao pequeno oratório lá de casa. Mas, se cultivava ideais e lutava por eles, se era capaz de discursar em comícios e liderar passeatas, de expor-se e até de sacrificar-se, Sara sempre tinha a família como uma espécie de epicentro do seu universo afetivo. Nessas visitas na cadeia, ela perguntava sempre com carinho por cada um dos tios e primos: o que faziam, como estavam. E eram tantas as perguntas que às vezes eu não tinha todas as respostas, como quando, por exemplo, me perguntou uma vez em que série estava Ilzinha, a saudosa filha de “Tia Terezinha (Tetê)”, adolescente lá em Cachoeira.
Sempre que podia, levava-lhe um jornal, chocolate ou caramelos. Mas para isso tinha de sacrificar o dinheiro que seria destinado ao lanche ou então, à passagem de ônibus (nesse tempo não havia vale transporte nem tampouco passe escolar e o jeito era arriscar carona nesses casos…). Na entrada da cadeia eu tinha que passar pelo ritual da revista: a pasta com livros, cadernos e até os bolsos eram revirados. Aos poucos tornei-me tão conhecido dos guardas que a revista não era mais feita. Um dos porteiros mais simpáticos era um senhor, mulato gordo muito simpático, que com o tempo apenas acenava à passagem daquele jovem magrinho com a camisa azul-turquesa da Escola Técnica, onde ele dizia ter um sobrinho estudando e a quem infelizmente nunca conheci.
Sara e as outras colegas daquele infortúnio da prisão me recebiam no pátio, onde conversávamos bastante. Ela tinha a mania de espremer cravos e, deitado no banco de pedra, cabeça em seu colo, eu tinha meu rosto escarafunchado, enquanto comentávamos sobre algum assunto de família, notícia do jornal, até mesmo algum capítulo anterior da novela das oito. Às seis em ponto - fim das visitas - ia-me embora. Até a próxima aula de Físico-Química (perdão, visita !). No fim do ano, fiz recuperação claro e acabei me livrando daquelas fórmulas e cálculos combinando características físico/químicas (temperatura, volume, pressão, valor e trabalho, etc. Argh !) da matéria. Sara também acabou se livrando, mas da cela e do processo. E começou a tocar sua vida como profissional do Direito, coroada agora com a merecida ascensão a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia.
2007. Aqui em Angola, do outro lado do Atlântico, sinto não poder dar-lhe pessoalmente um abraço na sua posse. Mas, tenho que homenageá-la de alguma forma. E a encontro num texto, que possa ser dirigido às gerações mais jovens da família. Rastreio a memória, vasculho aqui e ali, tento recompor cenas e diálogos, relembrar expressões faciais, datas e épocas, pôr lembranças em dia, tudo isso para exprimir o que se passa no âmago de minha alma nessa hora. Para isso é preciso resgatar fatos, lembrar com saudades (mas sem tristeza, por favor ...) os parentes que já não mais estão entre nós, recordar-lhes as manias, gestos e até mesmo o timbre da voz, revisitar tempos idos e compor, por menor e desimportante que seja, um esboço do que tem sido a atuação de Sara. Perdoem-me eventuais fraquezas da memória, mas elas não podem impedir-me de destacar o quão importante é a elevação de Sara ao posto máximo da justiça baiana. Não sei se sou o melhor para faze-lo (tenho minhas dúvidas ...) mas talvez seja um dos mais sinceros.
Para começar, essa promoção enriquece a justiça e deu-se por méritos acumulados, pelo seu desempenho no exercício da magistratura. A eles, acrescentem-se outros merecimentos como seu empenho incansável por ideais de justiça e democracia, valores dos quais nunca se afastou e que partilhou durante grande parte de sua vida com seu eterno Pedro Milton, outro vibrante e incansável defensor das causas da cidadania, da liberdade e dos direitos humanos e um feroz combatente de quaisquer formas de tirania.
Sara desembargadora ! Quanto justo orgulho devem sentir as suas filhas Catarina e Natássia, a irmã Mera, mais Flávia, Marquinhos (I e II) e Paulinho, sobrinhos. Também orgulhosos, todos nós primos e sobrinhos, as tias e demais parentes, espalhados por Itapicuru, Sambaíba, Pombal e os que estão em Brasília e Vitória, no Espírito Santo. E ainda os que ganhou da sua união com Pedro: a mãe Dona Nina, Sonia e irmãos, sobrinhos. Além das eternas e imorredouras amizades, feitas e conquistadas durante a vida ! Desde aquelas da mais tenra infância, os colegas de faculdade e passeatas, da clandestinidade e do cárcere. As lembranças inesquecíveis dos nomes e rostos de companheiros e companheiras, mortos na luta por seus ideais numa época de trevas e intolerâncias que, infelizmente, o Brasil viveu. "Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais ...". Nesse tempo cinzento dos anos de chumbo, Sara estava lá, nas ruas protestando, escondida em “aparelhos”, ou fugindo dos “hipócritas rondando ao redor” como falou Gil, contemporâneo poeta. Também ele perseguido, preso e ... que pagou um preço a mais: o exílio.
E que dizer do orgulho que também estão a sentir as muitas pessoas com quem a juíza Sara conviveu e se relacionou nestes anos, nas comarcas e juizados ? Elas são testemunhas da sua dedicação e empenho em fazer justiça. Desde os serventuários mais humildes, os advogados das partes, promotores, defensores públicos, colegas juízes e outras autoridades. Essa trajetória iniciou-se em pequenas comarcas, perdidas nos rincões sertanejos, morando em modestas pensões, convivendo - sem nenhuma dificuldade e com muita satisfação - com a gente simples do interior baiano, de onde ela própria veio.
Todos compartilham, cada um a seu modo, dessa conquista.
Orgulhosos estão também, na infinitude da existência, sua mãe a professora primária Maria Freire (a inesquecível “Tia Bibi” um poço de cultura, de quem recordo até hoje o precioso uso do vernáculo, a inflexão de voz e a pronúncia escorreita das palavras), Vó Cota, Tia Marinha e Tia Amélia, Padrinho João, Tio Paulo e Tia Rosinha, Tio Zé Esteves, Tio Deraldo, Painho e Mainha (“Tia Gisélia e Tio Souza”), meus irmãos Carlinhos e Pedrinho e tantos outros parentes e amigos que passaram por nossas vidas !
E, principalmente, Pedro Milton, cuja atuação competente, desassombrada e destemida, marcou de forma indelével a advocacia da Bahia nas últimas décadas. De cada um deles Sara é uma espécie de fiel depositária de honradez, princípios, honestidade, conhecimentos, esperanças num mundo melhor e sentimentos de amor ao próximo.
Sara chega a desembargadora com muita bagagem acumulada: política, profissional, cultural, ética e de vida. E quantas lembranças lhe acompanham ! Mas, não só. Também permanece íntegra em sua consciência a mesma dignidade que desde sempre cultivou. Ao ponto de não admitir pleitear dos cofres públicos qualquer indenização monetária por ter sido uma perseguida política. Direito que, embora lhe seja assegurado por lei, declina em favor de convicções pessoais. A juíza-cidadã que trilhou esse caminho até aqui é uma das mais novas integrantes da corte máxima de justiça da Bahia.
Luanda, 23 março 2007
Jorginho Ramos
quarta-feira, 14 de março de 2007
Quando cansam, param e se sentam nas calçadas onde amamentam seus bebês e tiram alguma fruta de seus alforjes para se alimentarem. Às vezes é numa esquina movimentada, mas já vi uma zungueira em pleno centro da cidade parar num calçadão, baixar seu balaio de peixe salgado e ressecado e dar meio abacate para o filho pequeno, que se lambuzava, bem na porta de uma moderna agencia de banco europeu, num belo contraste cultural. Idiossincrasias da globalização, que não comporta vertentes antropológicas nem aspectos humanistas em sua inexorável marcha, por isso nessa minha breve leitura contento-me em apenas analisar o episódio sob o prisma da plasticidade da cena e seu significado.
Com as elevadas taxas de desemprego e o escasso acesso a uma formação escolar ou profissional, ser um zungueira é a atividade que mais absorve jovens angolanas pobres, geralmente mães solteiras, algumas recém saídas da adolescência.
Outra zungueira com quem conversei foi Segunda (nasceu numa segunda-feira, daí o nome) Berlarmino Roque. Vendia latas de leite em pó holandês. Perguntei-lhe se o bebê tomava daquele leite. Não, é muito caro, disse (obs: a lata que vendia, custava o equivalente a 15 dólares e poucos são os angolanos que têm renda de 1 dólar/dia). Leite somente o materno. O garoto tinha um pequeno sinal de nascença, uma marca de vitiligo, na fronte. Coisa pequena, mas o suficiente para lhe garantir o gracioso nome de BRANQUINHO.
"Sebinho" e "Branquinho"dormiam placidamente… Lá foram eles, pequenos africanos envoltos em panos coloridos, só com pezinhos e a cabeça de fora, atados às costas de suas mães, que prosseguiam em mais um dia na dura batalha pela sobrevivência.
Hoje (14 de março) é no Brasil o Dia Nacional da Poesia. Homenagem a Castro Alves (o "Cecéu"), que nasceu extamente há 160 anos, na Bahia. Poeta maior, emprestou sua pena e talento à causa abolicionista. Libertário e romântico, é na história pátria o talento que mais se empenhou pelo fim do cativeiro dos negros ! Pena que pouca gente (principalmente os atuais movimentos em defesa e afirmação da negritude como justo valor da cidadania) se lembre de homenageá-lo como convém. Em meu primeiro post nesse blog (Em África I de Castro Alves a Hannah Arendt, ver arquivo) refiro-me a essa causa que o bardo sertanejo abraçou com um ímpeto igual, senão maior, do que o usado para com as muitas damas que conquistou com seu canto condoreiro. Os mesmos arroubos ele utilizou em sua lira romântica e na forte temática social.
Luanda, 14 março 2007
sexta-feira, 9 de março de 2007
ENTRA FEIO SÁI BONITO
O sujeito que escolheu este nome para seu estabelecimento deu um belo exemplo de marketing. Lá dentro do espaço exíguo, além das duas cadeiras de barbeiro, ele improvisou uma lojinha onde são vendidos óculos esportivos, blusas, chaveiros, xampus e otras cositas más. Tudo, naturalmente, voltado para elevar a auto-estima das pessoas e ... também o faturamento da barbearia.
09 mar 2007
sexta-feira, 2 de março de 2007
Reportagem publicada no JORNAL DE ANGOLA, edição de sexta-feira (02 de março).
Foi respeitada a originalidade do texto.
Rainha da região dos Dembos morre aos 121 anos
Fula Martins
Luanda perdeu,ontem,a sua filha mais velha, aos 121 anos de idade, por prolongada doença.Domingas Domingos Sebastião, "Avó Minga" como era chamada, nasceu aos 10 de Dezembro de 1885,em Cambamba-Dange, município de Quitexe, província do Uíje.
A malograda vivia no bairro Hoji-ya-Henda e tornou-se na rainha mais jovem da região do Dange, após a eleição do seu esposo, Francisco Manuel Neto,como Dembo de Cambamba "Rei soberano", por dois mandatos consecutivos de quatro anos.
Em 1929,Domingas Domingos Sebastião recebeu, no palácio tradicional de Cambamba, os primeiros missionários da Igreja Metodista Unida, que se deslocaram ao local para a implantação da missão de Cambamba e de Mufuque.
Com o eclodir da Luta Armada de Libertação Nacional, em 1961, Domingas Domingos Sebastião refugiou-se nas matas, sob protecção dos comandantes Ferraz Bomboco Mahinga e Moisés Micolo "Teté dos Tombos". A malograda participou também na mobilização da população para a luta clandestina contra os colonialistas portugueses.
Avó Minga, como era carinhosamente chamada, mereceu, pela sua dedicação à luta de Libertação Nacional vários reconhecimentos por parte dos Comités Nacional da OMA e Provincial do MPLA, do Ministério da Família e Promoção da Mulher, bem como da sociedade civil. Posteriormente, foi reconfirmada Rainha dos Dembos, pela Associação das Mulheres rainhas de Angola.
Na véspera da Independência Nacional, a Rainha abandonou a sua terra natal, para poder escapar dos invasores estrangeiros, no norte de Angola, e fixou residência na capital do país, no bairro Hoji-ya-Henda, onde residia até a altura da sua morte.
Francisco João Cangundo, um dos netos, disse que a malograda, além de avó, foi uma verdadeira mãe. "Gostaria de a ter viva por mais algum tempo", afirmou. Acrescentou que todos os esforços estão a ser feitos no sentido de comunicarem, às entidades governamentais, o falecimento da rainha dos Dembos.
Francisco Cangundo solicitou ajuda aos órgãos do Estado e a todos os interessados, para poderem realizar um funeral condigno.
A rainha dos Dembos deixa três filhos, 22 netos, 72 bisnetos e 33 trinetos.
JR